Quando recebi a notícia da morte de Fernando Brant, na sexta retrasada, havia acabado de sair de uma aula voltada para pais de primeira viagem sobre cuidados elementares com o recém-nascido. A rapidez da passagem entre as duas imagens – o barro da vida ainda em formação, o fim inexorável – me causou espanto, como se não soubéssemos todos que é assim, sempre será.
“A hora do encontro / é também despedida”, escrevi no Facebook logo após ler o obituário, em curto post-tributo. Versos da canção que Brant compôs com Milton Nascimento e pareciam dizer tanto naquele momento em que as duas pontas da existência se trombavam, em silêncio, dentro de mim.
Passei os dias seguintes ouvindo músicas de Brant e sua turma. No som do carro, na vitrola, em diferentes sites. Ao navegar pelo YouTube, me deparei com um registro do show Face a face, de Simone, no Museu de Arte Moderna do Rio. O áudio é de 1977, e ela canta Céu de Brasília, que o compositor mineiro assina com Toninho Horta.
A voz da artista – crua, áspera, sem artimanhas de estúdio – percorre a letra que fala da cidade noite adentro, povoada pela solidão dos homens, sob o céu sem manchas do Planalto Central. Céu que nunca vislumbrei, mas tantas vezes se abriu nas conversas com amigos, nos saraus na Urca, nas rodas de violão pós-faculdade, as pessoas espantadas com o bando de malucos cantando às nove da manhã em plena Rua Farani.
Céu de Brasília evoca o “horizonte imenso aberto sugerindo mil direções” e era isso mesmo o que almejávamos. A vida só fazia sentido se dançasse no ritmo das palavras de Fernando Brant, Marcio Borges, Ronaldo Bastos; na sinuosas harmonias e melodias de Toninho, Beto Guedes, Lô Borges; na ternura da voz de Milton Nascimento.
O Clube da Esquina era o nosso clube, um universo que se expandia para além da música. Ressoava no velho tênis que estampa a capa de um LP, na discussão sobre a foto dos dois garotos sentados à beira da estrada de terra – seriam Milton e Lô? –, na descoberta de que Manuel, o audaz, era na verdade um jipe amarelo. Vamos lá, viajar, propunha o Toninho, como se nos conhecesse há tempos. E subíamos, decididos, no jipe.
Ao ouvir Céu de Brasília naquela gravação perdida na internet bateu uma saudade esquisita, para além do artista que se foi. Saudade, talvez, do que nós mesmos fomos. Mais ingênuos. Cheios de promessas, planos infalíveis. O futuro todo pela frente. Até que o futuro chegou e percebemos que, ao contrário do que diz a canção, sonhos envelhecem, sim. Feitos de brisa, vento vem terminar. Mas não custa, de vez em quando, visitá-los. Mesmo que o tempo e a distância digam não. E que Fernando Brant, autor desses versos, não esteja mais por aqui.
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