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O vocabulário da gravidez

O vocabulário da gravidez


Ainda que não tenhamos a menor noção disso, o anúncio da gravidez traz o bilhete de entrada em um novo e estranho universo. Não me refiro aos aspectos metafísicos – a investidura nos papéis de pai e mãe, a mudança da relação com as coisas, com a perspectiva de futuro –, mas a algo mais prosaico. Um vasto conjunto de termos e objetos que, de hora para outra, deixam de ser completamente incógnitos para ganhar o estatuto da intimidade.

Tirar ou não o vernix? “Mas que diabos é vernix?”, você se pergunta, enquanto todos à volta – casais igualmente grávidos – debatem a questão. Vernix, explico ao leitor pouco familiarizado, é um material gorduroso de cor branca, formado pelo acúmulo de secreção das glândulas sebáceas, que recobre a pele ao nascimento. Sua função é proteger o bebê.

Antes de chegarmos à conclusão sobre tão relevante tópico, alguém no grupo indaga se já compramos o pagão. Olho para a Juliana, que retribui a perplexidade. “Sim, roupa de pagão”, insiste o interlocutor.

Descobrimos rapidamente que pagão é uma roupa, e que body é melhor que pagão – no caso, um conjunto de camiseta regata, casaco e calça de malha. Não resisto à pesquisa: a expressão tem como origem o fato de que os bebês usavam tal traje logo nos primeiros dias de vida. Antes, portanto, do batismo. Vamos de body, decidimos. Por cima dele, o cueiro, outra palavra recém-nascida em nosso dicionário. Fundamental é deixar a menina bem confortável, certo?

O vocabulário da gravidez constitui quase uma língua própria e inclui a concha de seio, o mijão, o tecido pele de ovo, a babá eletrônica, o travesseiro anti-sufocante, o protetor de carrinho, o aparelho de leite, o moisés, o canguru. Mesmo quando o termo em si não representa novidade, uma órbita desconhecida se desvenda.

Toalha, por exemplo. Entre os futuros pais com quem convivemos nas semanas recentes, talvez tenhamos sido os últimos a começar o enxoval – sim, há o enxoval do bebê. As toalhas, no entanto, já estavam compradas quando soubemos que aquelas de tecido mais leve e capuz na ponta, justamente as caríssimas toalhas indicadas pela vendedora da loja, não eram as mais adequadas para a neném. “São péssimas”, garantiu-nos uma especialista na matéria. Segundo ela, devemos usar toalhas de adulto, as convencionais. Erro típico de calouros.

“O mundo não se divide entre Ocidente e Oriente, religiosos e ateus, direita e esquerda, modernistas e tradicionalistas, mas entre pais de crianças pequenas e o resto da humanidade”, diz Fred Coelho, em frase citada por Francisco Bosco no livro em que descreve sua experiência com a paternidade. Esse bocado desconhecido de mundo é o lado escuro da lua. Está lá, em potência, até que um dia se dá a ver. Então aprendemos que a borda da vida ultrapassa a linha das mãos – e também quem é a Peppa Pig.


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