Revista do Madureira


Das coisas boas de se preparar a mudança: remexendo no armário mais alto do apartamento, encontrar um punhado de exemplares de “O Tenista”, a revista do Madureira Tênis Clube. São edições de 1967, 1968 e 1969, época em que a instituição era presidida por Francisco Baptista, que vem a ser meu tio-avô. Quando o tio morreu, há alguns anos, ninguém se interessou e acabei ficando com elas.

O Madureira Tênis existiu de 1944 a 1971, quando, após fusão com o Madureira Atlético e o Imperial, daria origem ao Madureira Esporte Clube – este mesmo que disputa hoje o Campeonato Estadual de Futebol. E as marcas da antiga entidade estão até hoje na camisa daquele que ficou conhecido como o Tricolor Suburbano. O azul veio justamente do Madureira Tênis.

As edições de “O Tenista” permitem uma viagem pelos usos e costumes da época, sobretudo no subúrbio carioca. Muitas das páginas são dedicadas à programação social do clube, anunciando concursos de fantasia, curso de balé, torneios de vôlei e frescobol – que o redator chama de “babytenis”. No destaque, um comunicado sem verniz politicamente correto “Aos Srs. Obesos”: “A partir dêste mês o Departamento de Esportes realizará sessões de ginástica recreativa e corretiva para os associados, aos domingos pela manhã”.

Mas a revista não se limitava ao registro das atividades do clube. Trazia, por exemplo, um Cantinho Literário, com sonetos. Além disso, seções de palavras cruzadas, receitas culinárias, dicas sobre a “arte da conquista”. As festas de debutantes mereciam tratamento especial, com fotos abertas e texto laudatório. “Onze môças apresentadas à Sociedade. Onze belezas. Onze simpatias que, certamente, dentro em pouco estarão despontando na vida social”, descreve um deles.

A coluna “Mexericos do Tutuca” concentrava fofocas do bairro e seus arredores. Quem casou, quem se separou, quem bebeu demais, a roupa de fulano ou sicrana. E havia, ainda, entrevistas com associados, nas quais uma pergunta se destaca pela reiteração: “o que você pensa sobre o movimento Hippy que abala o país?”. As respostas têm, unanimemente, viés condenatório. “A definição pera esse tipo de personagem resume-se apenas em uma palavra: frustração”, diz um dos entrevistados.

O uso da minissaia e a separação, outros temas quentes da temporada, tampouco eram vistos com naturalidade nas cercanias de Madureira, como revela a revista. Isso embora já começassem a ser aceitos como parte da vida moderna. “O desquite pode resolver o problema de um casal, mas não é a solução ideal para os cônjuges, que não poderão mais reconstruir a sociedade conjugal”, argumenta a jovem associada ouvida pela publicação. Ao fim de cada entrevista, o titular da coluna, João José, mandava às favas a modéstia e questionava: “O que você achou das perguntas formuladas?”

A tirar pelos anúncios, é possível perceber que “O Tenista” se sustentava graças aos comerciantes do bairro, que também bancavam os times do torneio interno de futebol de salão. Reconheci, nos reclames, os nomes de vários amigos da família – parecia ser costume pôr, ao lado do título do estabelecimento, o nome de seu proprietário. A Casa Hilda Confecções Tecidos aparece em todas as edições. Nas letras manuscritas sob o fundo azul, dentro do retângulo, a logomarca da loja do pai. Apenas sobejo do tempo, como uma festa de debutantes, o movimento hippie, uma pergunta qualquer sobre o desquite.


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