A imagem é cinza, difusa. Lembra a tela da TV quando não tem canal sintonizado. O entorno é de um preto opaco. Na parte de baixo, há letras e números brancos que dizem nada para quem não sabe decifrá-los. De repente, algo se move em meio ao cinza. Uma pequena esfera, e mais outra. À direita, duas minúsculas manchas claras batem-se contra o que parece ser o limite do espaço, irradiando o movimento de modo a juntar todos aqueles círculos num só elemento. Há um contorno, agora levemente preciso. O bebê.
Para o pai de primeira viagem, a sessão inaugural de ultrassonografia é um exótico amálgama de sentimentos. Ansiedade – pelo momento em que enfim a palavra ganha o estatuto de imagem. Temor – de que não esteja tudo bem com o desenvolvimento do feto. Alegria – pelo simples fato de ver, ali, o futuro que reescreve a vida toda.
O primeiro exame foi em dezembro passado. De lá para cá, fizemos um a cada mês. As descobertas chegam como carretel que se desenrola sem pressa. Não é o bebê, é a bebê.
Se antes ela contentava-se em ficar quieta, no aconchego da placenta, pouco a pouco vai aguçando a agitação. Chutes discretos que se tornam bicos. “Parece que está dançando funk”, diz Juliana. “Mas se acalma quando como Bis com morango”. Eu só posso adivinhar.
Aos cinco meses, nova ultrassonografia. Dessa vez um exame mais completo, que passeia por todos os órgãos. O coração, antes tão acelerado, diminuiu o compasso. Os membros estão no tamanho normal. Ossos, fígado, mãos, tudo de acordo com o esperado para a idade.
A bebê, contudo, não se mostra de todo. É preciso que a médica deslize o aparelho pela barriga de Juliana por longos minutos até que a encontre na posição que o equipamento pode captar. Em determinado instante, conseguimos. Ela está de perfil e o corpo se desenha com alguma nitidez. Cabeça unida ao tronco pelo pescoço. Na sequência, as pernas e os pés, sempre inquietos.
“Qual o nome?”, pergunta a médica. “Lia”, responde a Ju, e nossas dúvidas se desfazem. A bebê está batizada. De pronto, a doutora registra o nome na tela.
Ao término do exame, fotografo a ultrassonografia com o celular. Envio para meus irmãos, para Juliana. “A Lia é a sua cara. O nariz, a ossatura, é muito marcante”, comenta a Ju. “Mas ela nem nasceu ainda”, retruco, fazendo troça. No fundo, acho que cobiçar semelhanças físicas é uma vaidade besta.
Importa mesmo é que, dia após dia, o borrão cinza do primeiro exame destaca-se do fundo negro, ganha forma. Lia, a nossa pequena, vem aí.
NO COMMENT