Ao ter o nome mencionado por Tomaz Miranda, que dedicara a ele o show, Alfredinho do Bip passou a ser aplaudido de pé por toda a plateia do Teatro Rival. Foram quase cinco minutos ininterruptos de ovação. A homenagem se justificava. Não só pela obstinação de Alfredinho em manter o Bip Bip como espaço de reverência à mais clássica boêmia carioca, com seus ritos, mitos, interdições. Mas – e talvez sobretudo – devido ao fato de o pequenino bar em Copacabana constituir uma poderosa incubadora de talentos musicais.
Quando eu batia ponto no Bip pelo menos duas vezes por semana, Alfredo Del Penho e Pedro Paulo Malta eram figurinhas fáceis nas rodas de domingo. Além de virtuoses do violão e da voz, os dois logo se revelaram acurados pesquisadores da música brasileira. Garimpavam partituras e gravações raras, que depois chegariam ao bar, para alegria dos frequentadores. Isso faz dez anos.
De lá para cá, o talento só se apurou, como atestam as sucessivas temporadas de sucesso do musical Sassaricando, de cujo elenco a dupla faz parte. Assim como eu, Alfredo e Pepê hoje vão menos ao Bip. No entanto foi ali, entre cervejas e doses de cachaça, que tudo começou. Sem microfone. Apenas gogó, cordas e percussão.
Os aplausos no Teatro Rival, portanto, ecoavam uma história. Mas não seu ponto final. Tomaz escrevia, no palco, o novo capítulo. Ao lado de Marina Iris, Manuela Trindade, Mauricio Massunaga e tantos outros, ele integra mais uma geração parida no botequim do Alfredinho. Geração cujos artistas começam agora a chegar ao primeiro disco.
Coube a Marina abrir o caminho, no ano passado. Seu CD traz composições da própria lavra, além de canções de Tomaz, Manuela e outros músicos e letristas próximos, embora não formados no Bip, como Bill-Rait Buchecha, Rafael de Moraes, João Martins. Também lembra Mário Lago e o injustamente esquecido Paulo César Feital, sem deixar de contemplar a assinatura que é código de inspiração para a nova trupe: Aldir Blanc & Moacyr Luz.
Tomaz gravou a dupla da Muda, é claro. Gravou, igualmente, parcerias com Manuela, Marina, Buchecha, um afoxé de João Martins (com Leandro Fregonesi e Raul DiCaprio). E Nelson Cavaquinho. E Toninho Geraes. Nomes que traçam uma linha do tempo, costurando referências.
A rua, o bar, o carnaval. Pipa, dominó, roda de jongo, pastel de queijo coalho. Pixinguinha com Cacique de Ramos. Sem preconceito, os fios se cruzam, engendram interseções. “Eu trouxe um gole de sufoco / outro de dendê”, apresenta-se Marina em Estreia. “Encarno passista de escola / Ou então bailarina”, canta Tomaz em Carnaval de rua. “Veias de serpentina / Alma de isopor e purpurina”, poderíamos evocar Moa e Aldir, sem que soe deslocado. Não se trata de comparação, mas de afinidade. A angústia de influência derretida, em fogo brando, pela ternura.
Ao largo das notícias de jornal, tem uma turma boa pedindo passagem. Vale prestar atenção.
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Em razão do nascimento da Lia, estarei afastado do Vida Breve nas próximas quatro semanas. A talentosa Mariana Filgueiras me substituirá durante esse período. Até a volta.
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