Duas da manhã e ainda havia bastante gente no Mourisco, aguardando a apuração das eleições para a presidência do Botafogo Futebol e Regatas. Membros das chapas concorrentes e alvinegros em geral especulavam sobre quem seria o vencedor, sobre possíveis mudanças, as dívidas, os reforços para o ano que vem. Eis que pinta na área um rapaz de cabelos longos, dois malabares nas mãos e uma acanhada mochila nas costas. Ao ver tantas pessoas concentradas no mesmo lugar àquela altura da noite, ele pergunta ao PM que faz a segurança do pleito o que está acontecendo.
— Eleição do Botafogo — o policial responde, lacônico.
O moço olha para o suntuoso prédio, olha novamente para o grupo que se reúne do lado de fora e decide, então, entrar no clube.
Vinte minutos depois, está de volta. Sob o braço esquerdo, os malabares. Sob o outro, dois laptops.
Ao vê-lo tomar a direção da rua, o PM se aproxima.
— Cidadão, vem aqui um minutinho. Quero te falar uma coisa.
— Tenho que ir para casa, está tarde — e o rapaz continua andando.
— Para aí, cidadão. É papo reto.
Mão sobre o ombro do rapaz, o policial questiona a propriedade dos laptops.
— São meus. Um é do trabalho e o outro, da faculdade.
— Você tem um para o trabalho e outro para a faculdade?
— Isso.
— Um para o trabalho e outro para a faculdade — repete, agora sem interrogação.
O rapaz assente sem falar nada. Na sequência, conta que estava até há pouco estudando na Unirio, bem próximo à sede do Botafogo, mas não dá detalhes sobre que aula teria às duas da matina. O diálogo é interrompido por um berro.
— Meu laptop!
É um repórter esportivo, que se aproxima, esbaforido, e de pronto manifesta sua indignação.
— Ladrão! Filho da puta!
Prevendo as consequências do encontro, o PM se imiscui entre os dois para impedir que o rapaz seja agredido. Uma confusão se forma.
— Não roubei nada, não sou ladrão. Isso é absurdo, abuso de autoridade — o rapaz tenta se justificar. Esquecendo por alguns minutos a eleição, os alvinegros se aproximam.
— Não? Os dois laptops são seus?
— São meus.
— Então liga aí e coloca a senha.
O rapaz olha para o laptop, fica em silêncio por alguns segundos, pousa os malabares no chão, coça o cotovelo esquerdo, e enfim diz:
— É que é novo.
— Quer saber? Senha é o cacete. Não vai colocar porra de senha nenhuma. Vamos para a viatura.
Ante a recusa do moço, que passa a gritar a suposta inocência e acaba atraindo ainda mais gente, o policial retoma a conversa. Agora já há uma pequena multidão no entorno.
— Você passou por aqui e entrou no clube sem carregar nenhum laptop. Só os malabares e essa mochilinha. Agora, aparece com dois laptops. Pode me dizer como foram parar debaixo do seu braço? Voando?
— Isso realmente eu não sei lhe informar — respondeu o rapaz.
E foram, todos, para a delegacia.
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