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A mulher do Conselheiro XX

A mulher do Conselheiro XX


“Eu não sou, como alguns dos meus amigos acreditam, partidário da reclusão da minha mulher”, observa o Conselheiro XX, pseudônimo de Humberto de Campos, em crônica datada de 1918. “Uma dona de casa pode vir à cidade uma ou duas vezes por semana, tomando aí o seu chá, fazendo as suas compras e vendo, mesmo, em companhia das filhas ou do marido, o seu cinema predileto”, continua ele, como se preparasse terreno para a interdição: “O que eu não aprovo, nem aprovarei nunca, é a sua presença diária na Avenida, com evidente prejuízo de sua reputação e do seu lar”.

Essencialmente machista, a lógica do escritor talvez significasse na época até mesmo um rasgo de vanguarda. A mulher no começo do século passado era vista como elemento secundário na vida social. Sem voz ativa, sem liberdade, com os direitos alienados aos do homem “provedor”, representava, na prática, indivíduo de segunda categoria. Basta a simples leitura dos textos daquele período para se apreender isso.

Os tempos mudaram, diria o leitor. Mudaram mesmo. A presença da feminina é, atualmente, muito maior nas diferentes dimensões do cotidiano — política, economia, trabalho, família, lazer. E frases como a do Conselheiro XX soam extemporâneas, carcomidas, se lidas hoje.

Aí é que pergunto: será?

Acabo de me deparar com uma pesquisa, feita pelos institutos Avon e Data Popular, que ouviu 2.046 pessoas entre 16 e 24 anos nas cinco regiões do país. Segundo o estudo, 96% dos jovens concordam que vivemos em uma sociedade machista. Sessenta e oito por cento dos entrevistados, no entanto, condenam a mulher que vai para a cama no primeiro encontro. E 80% reprovam, igualmente, que pessoas do sexo feminino bebam muito álcool em festas ou outros eventos. Para 42% das mulheres — índice superior ao aferido entre os barbados —, uma garota deve ‘ficar’ com poucos meninos.  Detalhe: esses resultados espalham a percepção média, ou seja, de homens e mulheres.

O recente estudo, que ouviu 2.046 pessoas, entre 16 e 24 anos, nas cinco regiões do país, fez outra constatação: 48% dos jovens acham errado a mulher sair sem o namorado ou ‘ficante’. Quase cem anos atrás, o Conselheiro XX era mais condescendente: no entender dele, bastava a companhia das filhas.


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