Conversas de táxi


Rua Frei Caneca / Avenida Marechal Câmara
No engarrafamento de quase uma hora, tento ler o jornal. Em vão. Primeiro, o motorista tenta me mostrar, em seu celular, o vídeo de um acidente de moto. “Foi horrível”, diz, empolgado. Recuso. Na sequência, disserta sobre crianças moradoras da rua, que passam próximo ao carro. Segundo o próprio, são as “sementinhas do mal”.

Rua Candido Mendes / Rua do Riachuelo
O espanto é indisfarçável ante a pergunta do motorista: “Tem uma corda aí?”. “Corda?”. “É, para enlaçar aquele veado ali”. A passageira se vira para onde o homem aponta: um garoto, de calça colorida, caminha pela calçada. “Na minha terra não tem isso, não. Lá, veado só o bicho”. “O senhor é de onde?”. “Do Piauí”. “Ih, lá no Piauí o que tem mais é veado”, ela provoca. “Que nada, vieram todos para o Rio”, retruca, orgulhoso. “E o senhor, veio para cá quando?”. Silêncio no táxi.

Avenida Antonio Carlos / Rua Barão de Mesquita
Por volta dos 20 anos de idade, saia vermelha, sandália rasteira, a loira atravessa a rua. Estamos parados no sinal. “Gostosa. Gosto de novinha assim”. Nada digo. “Sabia que na semana passada entrou uma dessas aqui no carro?”. A insistência faz com que eu descole os olhos da tela do celular. Enquanto fala, ele me observa pelo retrovisor. “Sentou no banco da frente”. “É?”. “É. Aí contou que tem namorado, mas que ele não presta, está sacaneando ela”. “É?”. “É. Tava me dando mole e chamei para um chope, naquele dia mesmo”. “É?”. “É. Ser taxista é bom por isso, a gente come um monte de mulher”.

Rua Álvaro Ramos / Rua Caetano da Silva
Conversamos sobre roupas de bebê quando o motorista pede licença e pergunta: “É o primeiro filho?” Assentimos. “Ah, é a melhor coisa que existe. Estou com um garotão de um ano e quatro meses”. A frase dá a partida na longa conversa entre Botafogo e Cascadura. Sobre sono, corujice, animais de estimação. “É seu único filho?”, retribuímos a pergunta. “Que nada! Tenho quatro. Quer dizer, agora são três porque perdi um”. “Nossos sentimentos”. “Obrigado. Ele tinha 21 anos. Levou um tiro”.

Rua Primeiro de Março / Rua Mem de Sá
“Como ele consegue enxergar?”, indaga minha companheira de viagem, ao flagrar o taxista vizinho usando óculos de sol apesar da noite escura. “Não são óculos de sol”, responde o motorista do táxi em que estamos. Mais à frente, os carros se emparelham e, sim, o homem está com óculos de sol. “Não tem problema, eu também costumo usar”, o condutor não desiste. “Teve um dia inclusive em que entrei no túnel e estava de óculos escuros. A passageira reclamou, ficou exaltada”. “E aí?”. “Aí eu disse que não fazia diferença porque eu sou cego”.

***

Pós-escrito já fora do táxi:
A parvoíce de Dunga e as manobras de Eduardo Cunha. Na mesma semana. Mais que nunca é preciso, como escreveu Italo Calvino, buscar o que não é inferno dentro do inferno.


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