Angelúcia queria a camisa verde, de linho, que ele costumava usar em ocasiões mais formais — “nos quinze anos da Cristina, vestiu essa, não lembra?” —, mas enfrentava a resistência da Fátima. Aquela deve ter sido a última vez que a camisa saiu do armário. “Está velha, toda puída, cheia de manchas na gola.”
Fátima preferia uma blusa de verão, talvez a quadriculada que ela própria tinha dado no aniversário do ano passado. “É de mangas curtas, bem fresquinha e alegre, por causa das cores; ele adorou quando abriu o presente”. Angelúcia achava descontraída demais.
Joaquim também se meteu: “Conheço como ninguém os gostos dele. Por mim, a camisa do Botafogo pega bem. É a mais bonita do Rio, aquelas listras verticais, a sobriedade do preto e do branco”.
“De jeito nenhum”, Fátima e Angelúcia reagiram, em rara afinação.
Regina, calada até então, perguntou se poderia dar seu pitaco. “Claro”, antecipou-se Joaquim. Fátima e Angelúcia se entreolharam, e giraram a cabeça para um lado e para o outro, em sinal de reprovação.
“Que tal uma coisinha mais simples? Camisa branca, lisa, sem botão, tipo Hering?”
“Só poderia vir dela a proposta mais ridícula”, disse Regina antes de se enfronhar no sofá e jurar a si mesma que não pronunciaria mais uma palavra sequer.
Até aquele momento alheio à conversa que se desenrolava, Alfredo repetiu a ideia da camisa alvinegra.
“Elas não deixam”, retrucou Joaquim.
“Isso é maneira de falar? Não é questão de deixar ou não deixar. Mas futebol numa hora dessas? Homem é bicho que não tem jeito mesmo.” Angelúcia, mais uma vez.
Fátima, então, propôs o pleito. “Cada uma escolhe a roupa que preferir e a gente coloca em votação. É a saída mais democrática, todo mundo ponderando, deliberando…”
“Lá vem a petralha. Quer assembleia para tudo. Isso aqui não é o sindicato dos professores”, e Fátima mandou Alfredo calar a boca, que não ia aceitar decisão imposta, que ele era um filho-da-puta autoritário, um ditadorzinho de merda, e que ela não se dobrava à ordem de ninguém, muito menos de um merda como ele.
“Gente, gente, pelo amor de Deus”, Joaquim rogava, intrometendo-se entre Fátima e Alfredo para evitar que os xingamentos virassem briga.
“Vamos tomar um café lá embaixo.” Angelúcia agarrou o braço de Fátima e empurrou-a até o corredor.
“Uma esquerdinha fora de época, uma esquerdinha fora de época”, repetia Alfredo, e Joaquim pedia “calma, calma, a gente veio aqui só para escolher a roupa, não é para criar confusão, ficar remexendo em passado”.
Quando Eduardo chegou, Fátima e Angelúcia ainda estavam no tal café, e Alfredo parecia menos agitado.
“E aí, pessoal? Tudo decidido? Cadê as moças?”
“Nada, Edu. As duas desceram para um café. O bicho estava pegando aqui.”
“Porra, a gente nunca tem paz nessa família.” Ele se lamentava quando Fátima e Angelúcia entraram no quarto.
“Vocês não vão acreditar se eu contar quem estava na lanchonete?”
“A Antônia?”, arriscou Joaquim.
“Exatamente. Cara-de-pau.”
“Angelúcia, ele é que não quis casar.”
“Gente, vamos focar, vamos focar. A questão, aqui, é escolher a roupa, não temos muito tempo. O que vocês já sugeriram?”
“Se não tivesse se atrasado, Edu, você saberia perfeitamente”, e Angelúcia relacionou: camisa verde de linho, blusa quadriculada, camisa da Hering.
“E o Botafogo?”
“Sem chance, Joaquim.”
“Já pensaram no terno do casamento?”
“Esse não cabe mais.”
“Mas ele ajeitou para a festa dos cinquenta anos da Isaura. Alargou bem.”
“Será que entra?”
“Entra, sim.”
“Fica legal, bem de acordo. E aí, vocês topam?”
“Para mim, está ótimo”, disse Joaquim; “boa saída”, disse Alfredo; “OK”, disse Angelúcia; “perfeito”, disse Fátima; “tudo certo”, disse Regina.
Só mesmo o Zé, completamente nu ao lado do caixão, não disse nada.
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