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Praga contemporânea

Praga contemporânea


No caos sonoro das grandes cidades brasileiras, o silêncio virou riqueza rara, um bem a ser preservado. Buzinas, britadeiras, sirenes, apitos, carros de som. Todos esses ruídos, amalgamados, resultam em um tipo de poluição invisível, que não deixa vestígios e à qual nem sempre prestamos atenção, embora maltrate os ouvidos, perturbe a paz, dificulte a concentração ao ler um livro, ao escutar uma música, a se ter o merecido descanso após o trabalho.

O quadro no Rio de Janeiro se agrava porque boa parte dos prédios mantém sinaleiras sonoras em suas garagens. Essa excrescência, que já foi obrigatória por lobby dos fabricantes, tornou-se facultativa em 2007. Há dois anos, em bem-vinda iniciativa da Câmara Municipal, a emissão de som em equipamentos do gênero está proibida nas áreas residenciais pela Lei 5.526, sob pena de multa.

Basta uma caminhada pelos bairros, contudo, para percebermos o descumprimento. Da mesma forma que antes não era obedecida a determinação de manter o som desligado entre 8h e 20h, e usá-lo exclusivamente para carros que saem da garagem, nunca para os que entram, ou para bicicletas e moradores a pé.

É incompreensível que síndicos e moradores não atentem para a contribuição que têm dado tornar a cidade mais infernal ao manterem ligadas as sinaleiras. Perdemos, todos, qualidade de vida em nome de um argumento pueril. Alegam os defensores que o som protege o pedestre. Uma completa inversão. Na calçada, a prioridade é mesmo do passante, e não do automóvel. O motorista é quem deve prestar atenção, ao sair da garagem, se existe alguém caminhando. Assim como quem atravessa uma via observa se há carros em trânsito antes de cruzá-la.

Em certas ruas, povoadas por edifícios, tornou-se impossível viver sem o barulho das sucessivas sinaleiras a martelar seu irritante ‘pipipi’. Cálculo feito pelo jornalista e músico Eduardo Feijó aponta que em um trecho onde haja 16 prédios com sinaleiras ligadas, considerando que cada edifício tem em média dez pavimentos, e quatro apartamentos por andar, serão cerca de 640 veículos a entrar e sair da garagem a cada dia.

Em suma, as campainhas soarão 1.980 vezes. Mais de 80 acionamentos/hora, tendo como referência apenas o período diurno. Ou 38 minutos de barulho a cada 60 minutos. Como o volume do apito das máquinas atinge em torno de 85 decibéis, o equivalente ao ruído do trânsito, é como se morássemos dentro de um grande engarrafamento.

As entidades representativas dos médicos e dos engenheiros, além de várias associações de moradores, já se manifestaram contrárias ao uso das sinaleiras sonoras, apontando os muitos prejuízos que causam. O Legislativo fez sua parte. Falta, agora, a população dizer basta e evocar a lei. Como se diz no jargão jurídico: cumpra-se.


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