Jesse e Celine – ele, um americano em férias; ela, uma estudante francesa – conhecem-se durante viagem pela Europa. O casal aproveita o intervalo entre a chegada do trem e a nova partida, agora em rotas distintas, para flanar por 14 horas pela bela Viena, conversando sobre desejos, expectativas; o futuro, sobretudo. O reencontro, prometido para seis meses depois, acaba levando nove anos. Passado mais algum tempo estarão casados, com duas filhas gêmeas.
Quem conhece os trabalhos de Richard Linklater já identificou o enredo desenvolvido na trilogia que começa com “Antes do amanhecer”, prossegue com “Antes do pôr-do-sol” e tem, em “Antes da meia-noite”, seu capítulo derradeiro. O idílio do primeiro encontro, transformado em interrogação no segundo – e se tivessem ficado juntos? -, vira puro desgaste no terceiro.
Teria a realidade se imposto, enfim, às imagens ideais das 14 horas do dia em que Jesse e Celine esbarraram um no outro? A pergunta, embora plausível, é simplificadora. Relações são sempre complexas, mesmo as que parecem irritantemente naturais. O ponto levantado em “Antes do pôr-do-sol” já arranhava a questão. Caso tivessem cumprido o compromisso de se ver seis meses depois de Viena, e escolhessem a vida a dois, haveria como manter o colorido sem meio tons daquelas 14 horas ou o vínculo seria irremediavelmente corroído pelos vícios da convivência?
Hipóteses, hipóteses.
Histórias de amor são opções. E opções são homicidas por si só. Matam, ainda que em certas ocasiões com dó, as concorrentes. É o preço da sobrevivência. A gente sabe, e talvez por isso soem tão familiares os diálogos de “Antes da meia noite”. Jesse e Celine lidam com o tempo decorrido, com as consequências das próprias opções, com sonhos cortados na lâmina do cotidiano.
Quem já passou pela experiência, ou mesmo apenas observou de fora, sabe que casamentos podem gerar dois personagens típicos: os acomodados e as megeras. Que cenas como a de Jesse e Celine, no quarto de motel, trocando a promissora noite de sexo por uma longa DR são tão críveis quanto uma longa noite de sexo após a nada promissora DR. E mais: que o fim do idílio é inevitável como a morte.
Mas não tem nada, não. Às vezes, o amor precisa mesmo morrer um pouco para germinar, como cantou o Gil. Ou, sem morrer, transformar-se em coisa distinta, e ainda assim amor. Sem o frisson acelerado do princípio, sem a miragem da perfeição. Com cicatrizes, juras, brigas, perdões, rusgas, acidentes, palavras mal ditas, dores nunca sanadas, mais quilometragem percorrida que a percorrer, ainda assim amor.
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