Sou tricolor e quando, há cerca de dois anos, o Fluminense aventou a possibilidade de contratar Richarlyson, torci para que a negociação se concretizasse. Menos pela qualidade do jogador – é um meia/lateral apenas mediano -, e mais pela sombra que carrega: a acusação de ser homossexual.
“Tomara que não venha, seria piada pronta”, comentavam alguns amigos na época, aludindo à costumeira zoação das torcidas adversárias com relação ao Fluminense. Talvez fruto do perfil pretensamente aristocrático e do zelo com a fidalguia, a que o próprio hino faz referência, o Flu costuma ser identificado de forma jocosa pelos torcedores rivais como um clube simpático à causa homossexual, quando não francamente gay. O que indicaria, claro, um “defeito”.
Então pergunto: como seria ver um jogador tido como gay atuando nesse clube? Lembro do panorama do futebol no começo do século passado, quando o esporte havia acabado de chegar ao Brasil. Atletas negros eram recusados em praticamente todos os times. Bangu e Vasco, as exceções, tiveram a coragem de romper com o pacto silencioso e cruel. Quando será rompido o outro pacto, aquele segundo o qual homossexuais não podem ser jogadores de futebol?
Essa discussão saiu do armário com o recente episódio envolvendo o atacante Emerson, do Corinthians. Ele publicou uma foto, no Instagram, na qual registra o momento em que dá um “selinho” no amigo Isaac Azar. Foi o que bastou para acender reações extremadas da torcida. “Aqui é lugar de homem”, “Vai beijar a PQP”, “Viado, não”, diziam as faixas levadas pelos corinthianos ao protesto feito no centro de treinamento do clube. Pouco importa que o jogador tenha marcado os dois gols que deram ao Corinthians a Taça Libertadores, não interessa se atua mal ou bem, se ajuda o time a vencer. Beijar homem é interdição.
Não tenho a menor simpatia pelo Emerson, um jogador de talento que se afoga na própria vaidade. Mas ele foi preciso ao qualificar as críticas que sofreu: “preconceito babaca”. Futebol é coisa de homem, e de mulher, e de viado também. Embora em geral se opte por não falar do assunto.
O técnico Carlos Alberto Parreira chegou a declarar, em 2006, que em 35 anos de carreira jamais tinha conhecido um atleta gay. Outro treinador, Hélio dos Anjos, decretou: “Não trabalho com homossexual”. Como se no universo da bola não houvesse homossexuais, diferentemente de todas as outras esferas da vida. É de se imaginar a tensão reprimida nos vestiários.
Parece que, quando se trata do velho esporte bretão, mesmo aqueles que condenam a homofobia acabam revelando o Feliciano que guardam, enrustido, dentro de si.
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