Acontece sempre que tenho certa intimidade com o interlocutor e me vejo diante de uma indagação tola. Depois de explicar tintim por tintim o que já era por demais óbvio, saco a pergunta retórica: “Entendeu, Pedro Bó?”. Costumava funcionar. Mas ultimamente tem sido cada vez mais frequente receber, de volta, olhares espantados, como se falasse língua estranha. Taí uma das marcas do envelhecimento: saber quem é o Pedro Bó.
Explico aos calouros. Pedro Bó saiu da mente criativa de Chico Anysio, no começo dos anos 1970. O personagem, vivido pelo artista circense Joe Lester, participava do quadro protagonizado por Pantaleão Pereira Peixoto, um coronel civil. Era o que se chama, na dramaturgia, de “escada”.
Com sua barba branca e os óculos que traziam uma lente transparente e outra preta, Pantaleão tinha como principal marca o fato de ser um grande mentiroso. Narrava feitos mirabolantes, que Pedro Bó ouvia com reverência. Seu interesse nas histórias do coronel invariavelmente suscitava perguntas pueris, reiterativas.
Chamar de Pedro Bó, portanto, é maneira de dar uma sacaneada naquele amigo que nos brindou com dois ou três segundinhos de sua melhor palermice. Mas bordões são como gírias, só funcionam quando todos os envolvidos na conversa dominam seus significados.
No mesmo dia em que nomeei meu camarada de Pedro Bó, outro amigo, o Álvaro Marechal, questionava no Twitter se alguém ainda se lembra da expressão “dar pedal”. Que significa “dar certo”, “funcionar”. Pouca gente sabia.
Essas construções muitas vezes ficam datadas mesmo. Circulam – e muito – quando lançadas. Depois viram fósforo queimado, sem utilidade. Pata-choca para a pessoa inerte; quadrado, para gente careta; pão, para homem bonito.
Em algum lugar do passado, você podia estar na crista da onda, ser pra frentex e mandar um chato de galochas ir lamber sabão. Assim como aquilo que foi um estouro nos anos 1960, vinte anos depois era chocante e hoje é irado. Sem grilos.
Certos jargões, contudo, dão um tempo mas depois voltam. É o caso de bacana, que havia sumido na década de 1980 e reapareceu, forte, na virada do século. Parecia novo em folha. Outros, como mamata, desafiam sua essência transitória e soam eternos. Gerados em um pequeno grupo social, ganham o mundo. E os dicionários. “A gíria que o nosso morro criou / bem cedo a cidade aceitou e usou”, já cantava Noel Rosa em “Cinema falado”, de 1933.
De Chico Anysio a Noel, da favela ao asfalto, as gírias são a língua portuguesa sem fardão. De bermuda e chinelos, no balcão do bar. Ainda que tantas vezes percam progressivamente o sentido, virem mera junção de palavras, e então caiam no esquecimento. Como se diz por aí, deu ruim pro Pedro Bó.
Martha Côrtes
15 outubro
Ei, Marcelo.
Blza? (A grafia mudou mas o sentido permanece). Estava procurando um personagem do Chico Anysio e acabei me deparando com o seu texto. Massa!
Eu me lembro quando comecei a usar o verbo “curtir” com o sentido de aproveitar, apreciar (pra mim, apenas a palavra “enjoy” em inglês carrega em si a ideia de “curtir”) e mamãe falou que, pra ela, além de alguma parte no processo de fabricação de couro, “curtir” tinha uma ideia oposta a da minha época. “A gente curte uma fossa!” Enquanto ela usava uma gíria do seu tempo mas que ainda soava natural para mim.
E assim vai. Apesar das gírias fazerem a gente perceber o quanto tem envelhecido, é bom ver a língua viva. E o Fábio Júnior, mesmo com as olheiras e pelancas, continua um pão. 😉
Um beijo pra você.
Martha Côrtes