O clima no México é instável, foi o que li em mais de um site antes da viagem. Nos dezessete dias em que estive por lá, contudo, o roteiro variou pouco. Em geral, tempo nublado pela manhã, que se tornava sol resplandecente antes mesmo do meio-dia. A chuva no fim da tarde, rápida e intensa, precedia a noite de céu limpo. Dava para contar as estrelas.
O México — sobretudo na capital, que eles chamam de DF — é seco de rachar lábio. As mãos ficam ásperas, o nariz sangra. Mas a chuva sempre mostra as caras. Quer dizer, eu mais ouvi do que vi chover. Quase sempre a água caía quando estávamos no quarto do hotel, naquele interregno necessário entre as andanças do dia e as ambulações da noite.
A chuva, no México, foi antes de tudo um som. Algo que não se deixava apreender com os olhos, ou fotografar. Antes, quando nuvem carregada, sim. Depois, quando chão molhado, sim. Mas não durante. Apenas adivinhávamos, estirados na cama, as pessoas abrigando-se sob as marquises, a formação das poças, a cidade sob o temporal.
No Museu de Antropologia, soube que os mexicas — ou astecas, no termo inventado por estrangeiros — acreditavam que a chuva fica guardada em grandes vasos. Tlaloc, o venerado deus dos trovões e da fertilidade, teria o poder de quebrar os vasos, liberando a água. Daí o barulho dos relâmpagos.
Já para os maias, outro povo fundador do México, é Chac quem fura as nuvens com seu machado e faz chover. Como observou a jornalista Alexandra Lucas Coelho no livro “Viva México” — de resto, uma fundamental introdução ao país —, a chuva era tida pelos maias como uma recompensa. Há que merecê-la, e pedir por ela, como faziam lançando “ouro, jade, incenso e homens” em cavidades no solo onde a água da chuva formou rios subterrâneos, revestidos de estalactites e estalagmites. Os cenotes.
Ainda no DF, antes de partir para o Chiapas e enfim para Yucatán, me deparei com a “Conferencia sobre la lluvia”, de Juan Villoro. O pequeno volume, uma edição com jeito de artesanal, estava escondido entre os tantos títulos da estante de literatura ibero-americana.
No livro, Villoro narra a história de um bibliotecário que, no exato momento em que vai fazer uma conferência, percebe que perdeu suas anotações e termina por improvisar o discurso. Sobre a chuva, novamente a chuva.
O conferencista evoca o poeta Leopoldo Lugones ao falar que toda gota caindo tem algo de lágrima. E pondera que a chuva é bom tema porque afeta o mundo sem acabar com ele. Sentado na poltrona do avião, concordo e sublinho a frase.
Em Yucatán, não choveu. Dias radiantes de sol e praia e bichos e mergulhos no mar de muitos azuis. Alguns relâmpagos que silenciaram antes de virar água. Mas foi como se ela estivesse lá, à espreita.
“A literatura é lugar em que chove”, diz o conferencista de Villoro, e penso se não é isso mesmo. Chuva invisível, feita de sons, como a do México. Que põe um enfeite qualquer na tristeza, e então cessa.
NO COMMENT