O que fica de um amor não são os momentos de pompa e circunstância, aquelas ocasiões exaustivamente ensaiadas, como a viagem para não sei onde, o jantar no restaurante xis, o relógio bacana que virou presente na data especial. Esses recortes de memória estão, claro, colados no álbum de um relacionamento. Mas não são o que fica de um amor.
O que fica de um amor é a trivialidade. O café da manhã na cama de todos os sábados: misto quente, suco de laranja, café preto e bolo. Nada de omelete ou tortas requintadas. Apenas o mesmo café da manhã do qual você promete se livrar na semana que vem em troca de uma escapada a Santa Teresa, um lugar ao ar livre, superbacana, coisa e tal.
E o cinema das sextas-feiras. A tarde terminando, a exaustiva discussão sobre que filme ver. A sala, o horário, compra-se ou não pipoca? As mãos dadas durante a sessão. E depois o dilema sobre onde comer, aquele italiano que tem um fettuccine espetacular, o japonês de Botafogo ou o bar de tapas que abriu faz pouco tempo e sobre o qual todo mundo está falando.
“Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo à novela, mas tenho uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga”, lamenta-se o motorista de táxi no diálogo que o Antonio Prata transformou em crônica. O taxista tentava compreender por que as pessoas faziam questão de registrar em imagens a ida eventual à praia, mas não a sala do trabalho diário; o almoço durante uma excursão, mas não a refeição a dois, em casa, na intimidade à meia luz do cotidiano.
Quando, no fundo, o que fica de um amor são esses pequenos ritos que o confirmam. A toalha deixada sobre a privada do banheiro por mais que você diga que… A irritante mania de desarrumar o jornal. O cabelo desalinhado das manhãs. Também o despertar na madrugada, a sede da ressaca arranhando a garganta, e o cuidado de cobrir o outro antes do caminho até a geladeira. Sim, o roubo de cobertas é traço inequívoco do amor.
E no entanto volta e meia tudo isso se comprime no curto espaço da palavra rotina, passa batido. Está lá o tempo todo, mas oculto. Imperceptível no ramerrão do dia a dia com seus anúncios luminosos a prometer tanto mais.
Lembro da canção “Estrangeiro”, na qual Caetano diz que o pintor Paul Gauguin amou a luz da Baía de Guanabara, e o antropólogo Claude Levy-Strauss detestou-a: pareceu-lhe uma boca banguela. “E eu menos a conhecera mais a amada / Sou cego de tanto vê-la”, confessa o compositor.
A convivência adormeceu o fascínio. De tanto vê-la, Caetano já não pode vislumbrar a Baía de Guanabara, sua beleza ou feiura, a sutileza de suas curvas margeando e dando forma à cidade. A imensa boia d’água tornou-se apenas objeto na paisagem. Estanque.
O amor, por vezes, é a Baía de Guanabara que já não enxergamos.
NO COMMENT