À venda


A sala arrumada não resiste ao olhar mais acurado. Sobre uma das cadeiras do conjunto de jantar, a toalha vermelha descansa. Parece ter sido usada há pouco. No canto, próximo ao rack da TV, há um par de tênis, com as meias dentro. Os brinquedos do cachorro ocupam parte do tapete: uma coleira velha, o rato de feltro, a bola de corda.

O dono da casa me recebe sem economizar gentilezas. Perceba a vista, reparou no Pão de Açúcar ali à esquerda? Estamos na varanda. Eu me viro e vejo ao fundo, bem ao fundo, as duas montanhas ligadas pelo fio do bondinho.

O corretor interrompe o diálogo para lembrar que imóveis com vista do Pão de Açúcar são muito valorizados e sempre têm liquidez. Regressamos à sala.

O rack da TV fica. Mandei fazer sob medida e não pretendo levar. Os armários embutidos também estão incluídos no preço, diz o dono, apontando para diferentes partes do apartamento. Reformei os sintecos no ano passado.

O cachorro passa por nós. Volta, cheira meu pé — ele é calmo, avisa o dono — e retorna para seu canto. Noto, nas paredes, reproduções de quadros famosos: imagens renascentistas, campos floridos, um inusitado Hopper. Sobre a mesinha de centro, duas revistas Caras e o jornal. Seguimos pelo corredor.

O banheiro também é ótimo. Sente a grossura do blindex, e o dono dá pequenas batidas no vidro, pede que eu encoste o dedo. Uma calcinha estampada está pendurada no registro. Ele percebe que vi, posta-se à frente dela, tenta justificar. Minha mulher é fogo, espalha as coisas pela casa, me desculpa. Digo que não tem problema, pergunto pelos quartos.

Por aqui, e percorremos novamente o corredor, onde um quadro de cortiça expõe as fotografias da família. Férias, o casamento, crianças, aniversários, o cachorro, ainda filhote. Paro por um instante. A mulher dele é bonita. Vejo as fotos dos dois, ainda bem jovens, numa praia. Ele beija o rosto dela, que sorri, encarando a câmera.

O dono nota que parei, chama meu nome. Sigo a voz até o primeiro quarto, o do casal. Uma colcha esconde os lençóis ainda desgrenhados, que tornam a superfície irregular. A cama eu vou levar comigo, ele adverte. Penso nos dois, deitados ali, vendo TV, de mãos dadas. Ela lendo, com a luminária acesa, enquanto ele dorme. Os dois fazendo sexo.

Em seguida, vamos até o outro quarto, o menor. É o quarto da filha, como revela a parede pintada de lilás e as bonecas numa prateleira suspensa. Imagino, de imediato, o meu escritório ali. As estantes que mandaria instalar, uma bancada para o computador.

A visita à cozinha é rápida, simples checagem: armários OK, azulejos OK, espaço para fogão, geladeira, até um freezer. Logo retornamos à sala.

Viu como os cômodos são amplos, arejados? E nada vazados, privacidade total. Agora é o corretor quem fala — o dono se mantém em silêncio desde o flagrante da calcinha no banheiro. Por esse preço, nesse bairro, você não vai encontrar nada melhor.

Respondo que, sim, gostei do apartamento. Que o imóvel está devidamente visto, mas quero pensar com calma, ligo depois.

Eu e o dono apertamos as mãos. Agradeço pelo tempo dispensado, a amabilidade. Me despeço do corretor também. São três lances de escada, que desço com a rapidez de um invasor em fuga.


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