O primeiro chope da noite, samba do Paulinho da Viola, hora do recreio no colégio, pavê de chocolate, rever fotos da infância, a luz que bate no fim da tarde, cobrindo as pessoas de um dourado sutil, o cheiro do café assim que fica pronto, assistir a Ginger e Fred em uma manhã esticada, o Império Serrano entrando na Avenida, mãos dadas no cinema, Mila dormindo sobre o travesseiro, enroscada em si mesma, os pés de Juliana enroscados aos meus pés sob a coberta, gol de Fred no Maracanã, o primeiro olhar de um bebê, o barulho da chuva batendo na água do rio, o primeiro beijo, mergulho no mar depois da pelada, a primeira trepada, dançar até de madrugada na Brazooka, paleta de cordeiro, noite de lua cheia, imensa, amarela, caminhar os ipês amarelos quando florescem, a palavra algaravia, caminhar meio bêbado pelas ruas de Paraty, quinze minutos a mais depois do despertador, massagem nas costas, Cartola cantando Sala de recepção, o primeiro amor, ainda que nem seja amor, pedalar bem cedo pelo Aterro do Flamengo, acertar o lançamento longo no pé do centroavante, sexo logo ao acordar, cafuné da mulher amada, um poema do Herberto Helder, cheiro de mato depois do temporal, água de coco gelada, filme novo do Woody Allen, tirar os sapatos quando se chega em casa, chocolate meio amargo, receber o primeiro exemplar de um livro, pestana depois do almoço, encontrar a Fernanda Montenegro, saideira por conta da casa, Pixinguinha tocando flauta, aroma de maresia, receber flores inesperadamente, sorvete de flocos, gato ronronando, ouvir uma canção antiga na vitrola, feriado emendado, abraço de amigo quando se está triste, passear no Jardim Botânico, pão saindo do forno, ler na rede, Loredano gritando Brasil!, a Enseada de Botafogo cheia de barcos, a voz da Nana Caymmi, porta-bandeira girando, viagem de férias, quadro do Iberê Camargo, goiabada com queijo, a brisa que surpreende o dia abafado, rir até chorar, ver um filme bobo na TV, banho de mangueira, fazer trocadilho, jogar flores no mar, bolo de laranja, correr na chuva, ler uma crônica do Paulo Mendes Campos, para em tempos estranhos e cheios de ódio acorrentarmo-nos às ternuras, às nossas mais breves ternuras.

Hallina Beltrão
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