Ai de mim, Copacabana

1. Ai de mim, Copacabana, já passada a véspera do teu dia, inabalado mesmo após a crônica do Rubem, porque não te abalas com prenúncios de literatura, posto que a riqueza de teus poemas se esconde em versos pobres como os que rimam miss e meretriz.
2. Ai de mim, Copacabana, que no seio da noite continuas a dar risadas ébrias, enquanto os bêbados moribundos do amor te pisam distraidamente, dançando pelos contornos das pedras portuguesas como se surfassem no concreto.
3. Segues, como o cronista cantou, perdida no meio de tuas iniqüidades, e ainda mais vagabunda e soberana, sob a luz da gargantilha de refletores que te enfeita o pescoço e ilumina os brilhos fugazes das criaturas que só vivem nas brumas da madrugada.
4. São putas, michês, travestis, com perfumes baratos e curvas ruidosas, vendendo sexo e cafuné a quem passa, enquanto o mar respira ofegante, como se também gozasse, soprando um alento ao pecado que grassa em tuas ruas e galerias.
5. Ai de mim, Copacabana, se forem ao chão os grandes edifícios de cimento onde teus filhos parecem dormir de pé, amontoados uns sobre os outros, nas quitinetes que zombam das coberturas da Atlântica, juntando famílias, consultórios, cabeleireiros e sex shops, e escondendo a tua vaidade no fundo das próprias mazelas, no hall dos elevadores, nos quartos dos Severinos e Franciscos e Joões e Antônios que zelam pelas tuas entradas mais secretas.
6. Já cantaste tua última canção e no entanto ela não foi a derradeira, porque nem a rapina de teus mercadores, nem a ostentação dos novos-ricos, nem mesmo a especulação sobre o metro quadrado do teu terreno foram capazes de turvar tua graça rampeira e soberana.
7. Porque és eterna, assim como são eternos os botecos de tuas esquinas, e os inferninhos da Prado Júnior, e os jogos de peteca na areia, e os passeios das senhorinhas pelo calçadão, e os pescadores do Posto Seis, e os aposentados de bermudas no carteado, e as moças besuntadas de óleo sob o sol, e as barracas de feira na Praça dos Paraíbas, e os trovadores com seus violões na busca de um trocado, e os cocôs dos cachorros na Barata Ribeiro, e os casais se amando sob a lua cheia, e os turistas dizendo beautiful, beautiful diante da bunda da mulata.
8. Ai de mim, Copacabana, se não continuarem a ser estas as tuas jóias, este o verniz de tuas unhas, esta a libação de teus perdidos, este o teu corpo maculado e formoso, onde os pobres-diabos se imiscuem à procura de colo, onde o homem-rã toca piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, enquanto Iemanjá bebe uma cerveja à espera de barcos e flores.


Crônica publicada no Jornal do Brasil


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