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- Casa da Palavra
- 2010
- ISBN 9788577341337
- Português
- Capa Tipo Brochura
- 136 Páginas
Para Tim Maia, “do Leme ao Pontal, não há nada igual”. Já para Fernanda Abreu, o Rio de Janeiro é o “purgatório da beleza e do caos”. Mas, para ambos — e tantos outros compositores —, o Rio é uma inequívoca fonte de inspiração musical, seja de odes ou de antiodes. Baseado nesse espírito, chega às livrarias, pela editora Casa da Palavra, o livro Canções do Rio — A cidade em letra e música.
“O objetivo do livro é justamente demonstrar como nossos compositores cantaram o Rio de Janeiro em diferente épocas e gêneros. Do samba ao rock, da bossa nova ao funk, da marcha ao rap”, revela o escritor e organizador do volume, Marcelo Moutinho. Para tanto, foi reunido um time de seis especialistas e pesquisadores do assunto: João Máximo (“Dos primórdios à Era de Ouro”), Sérgio Cabral (“As marchinhas”), Nei Lopes (“O Samba”), Ruy Castro (“A Bossa Nova”), Hugo Sukman (“A canção moderna”) e Silvio Essinger (“Rock, rap e funk”).
A obra analisa a formação da identidade carioca através das marchinhas de Chiquinha Gonzaga, os sambas de Billy Blanco e dona Ivone Lara, da bossa nova de Tom Jobim e Vinícius de Moraes e do rock, rap e funk de Cazuza, MV Bill e Claudinho e Bochecha. Esses são apenas alguns exemplos de artistas presentes aqui.
Canções do Rio é, portanto, o Rio na música, a música do Rio, a sonoridade da alma carioca. Ou, nas palavras de Marcelo Moutinho, “do Rio idílico, cuja exuberante paisagem é capaz de arrebentar as retinas. Do Rio de valas negras e favelas no coração. Do Rio que foi, sempre, a cidade-musa”.
“Uma cidade que evoca em seu epíteto o verso de uma canção já revela a inequívoca vocação musical. Em 1935, tomando de empréstimo a expressão criada pelo escritor maranhense Coelho Neto, o compositor André Filho saudou o Rio de Janeiro como a “Cidade Maravilhosa” e acabou instituindo o cognome que seria historicamente consagrado.
O Rio, no entanto, já aparecia no cancioneiro das décadas anteriores. Desde o início do século passado até os dias que correm, a cidade foi comentada, criticada e saudada por intermédio da música. Seja com a alusão a suas ruas e seus bairros, seja por meio da crônica de seus personagens, ou ainda, e de forma mais direta e global, em odes ou antiodes que descortinam a dor e a delícia de se viver aqui.
O objetivo deste livro é justamente demonstrar como nossos compositores cantaram o Rio de Janeiro em diferentes épocas e gêneros. Do samba ao rock, da bossa nova ao funk, da marchinha ao hip hop.
Para isso, convocamos um time de especialistas com longo e reconhecido trabalho de pesquisa no campo da música brasileira: João Máximo, Sérgio Cabral, Nei Lopes, Ruy Castro, Hugo Sukman e Silvio Essinger.
No ensaio que abre o volume, João Máximo examina o período compreendido entre as primeiras manifestações musicais que referiam a cidade até a chamada Era de Ouro. Como ele observa no texto, de início “não se cantava, tocava-se o Rio”. Máximo lembra ainda que as primeiras letras tratavam dos morros e subúrbios, mas eram feitas a distância, revelando uma visão idealizada “dos poetas e compositores cá de baixo”.
A Vila Isabel, a Penha, o Estácio, a Praça Onze e a Ilha de Paquetá são alguns dos espaços que aparecem nas canções estudadas pelo jornalista. Canções de autores como Noel Rosa, Orestes Barbosa, Herivelto Martins, Wilson Batista, Alcebíades Barcelos (o Bide), Roberto Martins, Valdemar Silva, entre muitos outros.
Tomando o bastão, Sérgio Cabral analisa como as carioquíssimas marchinhas falaram da cidade. Do lirismo de Chiquinha Gonzaga, que criou a inaugural “Ó abre alas”, a pedido de um cordão carnavalesco do Andaraí, aos tipos que povoam as músicas de Braguinha, Cabral destaca a natureza sarcástica de versos como “Rio de Janeiro/ Cidade que me seduz/ De dia falta água/ E de noite falta luz” (Vitor Simon e Fernando Martins). (…)”
Uma cidade em tensão entre o sonho e o real
‘Canções do Rio’ reúne ensaios sobre como a música popular retratou a metrópole, suas ruas e personagens
“Do subúrbio de Noel Rosa (“Não há quem tenha/ Mais saudades lá da Penha/ Do que eu, juro que não”) ao de Marcelo D2 (“Nascido em São Cristóvão, morador de Madureira/ Desde pequeno acostumado a subir ladeira”), da beira-mar de Tom Jobim (“Eu, você, nós dois/ Sozinhos neste bar à meia luz/ E uma grande lua sai do mar/ Parece que esse bar já vai fechar”) à do Paralamas do Sucesso (“As meninas do Leblon não olham mais para mim”), do paraíso de Paulo da Portela (“Como é linda a nossa Guanabara/ Joia rara”) ao purgatório de Fernanda Abreu (“Capital do sangue quente do Brasil/ Capital do sangue quente do melhor e do pior do Brasil”). É essa a cartografia traçada em “Canções do Rio — A cidade em letra e música” (Casa da Palavra), que reúne ensaios sobre os olhares que a música popular lançou sobre a cidade ao longo do último século. Retratos de uma musa “bonitinha e má”, como definiram Guinga e Nei Lopes em “No fundo do Rio”.
— O que se percebe pelo livro, acompanhando as canções que tratam do Rio, é a permanente tensão entre a cidade idílica e a real — aponta Marcelo Moutinho, organizador de “Canções do Rio”. — É claro que os problemas, a violência, começam a aparecer com mais força nas últimas décadas. Mas desde o início, várias marchinhas e sambas faziam referências, por exemplo, à falta de luz ou às condições miseráveis das favelas.
Moutinho conta que, mais que falar das canções que comentam o Rio como um todo, interessava a ele as que tinham locais da cidade como cenário:
— Marques Rebelo tem uma frase que diz que “O Rio é uma cidade com muitas cidades dentro”. Cada pedaço seu retrata um pequeno detalhe de sua vida, um personagem. Essa visão colabora muito para o livro.
“Canções do Rio” apresenta seis ensaios, com recortes diferentes sobre esse cancioneiro. “Dos primórdios à Era do Ouro — A cabocla de Caxangá sob o luar de Paquetá”, de João Máximo, dá conta das primeiras aparições do Rio nos versos da música popular. Sérgio Cabral, em “As marchinhas — Elas contam tudo”, avalia a produção desse gênero carioquíssimo, nascido, explica ele, no Andaraí. Compositor que tira do Rio muito de sua inspiração, Nei Lopes assina o ensaio “O samba — Cidade, quem te fala é um sambista”, no qual usa Freud para falar da relação do samba com a cidade. Em “A bossa nova — Brigas, nunca mais”, Ruy Castro se detém no gênero cujo habitat natural foi o sal, o sol, o sul do Rio. Hugo Sukman, em “A canção moderna — Uma cidade bonitinha e má ou os dois sentidos da palavra arrastão”, analisa os caminhos e descaminhos da cidade cantada desde “Arrastão” de Edu Lobo e Vinicius de Moraes até o arrastão — assalto coletivo, símbolo da violência carioca hoje. Por fim, “Rock, rap, funk — E o gringo, quem diria, foi parar em Jacarepaguá”, Silvio Essinger fala do Rio retratado nos últimos anos, por vozes da Zona Sul e das periferias.
— É interessante acompanhar essa trajetória da cidade — nota Moutinho. — No texto de João Máximo, sobre os primeiros anos, aparece muito o caráter idílico. Ele ressalta, por exemplo, que muitas das músicas feitas sobre os morros, louvando-os, eram compostas por artistas do asfalto. E é a visão ensolarada que prevalece na bossa nova, apesar de artistas como Carlos Lyra, que já tinham um olhar voltado para a igualdade social, mais crítico. Mesmo assim, são olhares quase inocentes, cheio de dicotomias. O ensaio de Hugo Sukman faz essa ponte do idílio para a cidade violenta. O rock da década de 1980 também faz essa mudança da cidade leve, praieira, hedonista, para a da desigualdade social, de “Alagados”, por exemplo. Já o samba, tratado por Nei Lopes, sempre teve essa dualidade, até por ter nascido perseguido. Como o funk, aliás, que retrata uma cidade que não está contemplada nem pelo samba.
Algumas canções aparecem em mais de um ensaio, recorrentes na reflexão que se faz sobre o Rio cantado — e as mudanças pelas quais ele passou ao longo das décadas. Talvez as duas mais citadas sejam “Saudades da Guanabara” (Moacyr Luz, Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro) e “Rio 40 graus” (Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Laufer).
— “Saudades da Guanabara” é saudosa, mas sem deixar de ser esperançosa. E “Rio 40 graus” é a síntese dessas duas faces da cidade, “purgatório da beleza e do caos”. Está aí a força de ambas — acredita Moutinho. — Fausto Fawcett e Aldir Blanc, em suas obras, falam com frequência dessa cidade que vive em permanente tensão.”
Leonardo Lichote
Um retrato cantado e fiel do Rio
Autores escrevem sobre gêneros que entoaram a cidade em distintas épocas
Imagine você que um sujeito tem a ideia de contar a história de uma cidade por meio de letras de músicas e, para isso, decide convocar craques para fazê-lo. Foi o que Marcelo Moutinho fez ao convidar verdadeiros “camisas 10” a escreverem sobre o Rio de Janeiro. Para organizar Canções do Rio – A Cidade em Letra e Música (Ed. Casa da Palavra, 136 págs., R$ 37), o jornalista pediu que João Máximo, Sérgio Cabral, Nei Lopes, Ruy Castro, Hugo Sukman e Silvio Essinger lhe enviassem textos inéditos sobre gêneros que cantaram a ex-capital federal.
Confiando que as músicas que há tempos falaram em seus versos sobre o Rio de Janeiro têm o poder de traçar um retrato histórico fiel da cidade, Moutinho sempre demonstrou preocupação de que seu livro transmitisse isso ao leitor de uma forma muito mais leve do que acadêmica. Objetivo integralmente alcançado. Com um time desse de escritores, a leitura flui de nem ver o tempo passar. “Essa é a diferença da ciência, que cabe ao historiador, para a arte, representada pela música. É o mesmo poder da literatura de construir e refletir a imagem de um local. Até o nome Cidade Maravilhosa surgiu de uma música. Os textos de João do Rio e Lima Barreto eram verdadeiras crônicas da cidade. Não é à toa que Noel Rosa e João do Rio serão homenageados neste ano pela Vila Isabel e pelo Império Serrano”, diz Moutinho.
Ao longo do ano passado, cada autor cuidou do estilo musical com o qual tem maior envolvimento. Sendo assim, o livro tem sua abertura transformada em um verdadeiro mergulho histórico, encampado pelo conhecimento do jornalista João Máximo sobre os primórdios da música popular no País seguindo até a Era de Ouro. Assim como se faz em todo o livro, o capítulo inicial serve para apresentar verdades históricas e desbancar uma infinidade de mitos. Em seu texto, o jornalista lembra que, antes de ser cantado, o Rio de Janeiro era homenageado por músicas tocadas sem versos. “A maioria não tinha verso, como o choro Na Glória. Com a letra, o retrato da cidade acabou ficando mais objetivo”, conta Marcelo Moutinho. João Máximo cita uma infinidade de canções de compositores declaratórias ao Rio, como Noel Rosa que, ao contrário do que se pensa, cantou muito mais a Penha do que a sua Vila Isabel. Também sobram exemplos saborosos de Geraldo Pereira, Moreira da Silva e Herivelto Martins, abusando do cenário da Praça Onze, e Wilson Batista e Benedito Lacerda, entoando a Lapa.
O mesmo voo panorâmico sobre canções que falaram do Rio se dá com outros gêneros e seus respectivos especialistas. Contando com belíssimo trabalho de produção, com fotos históricas e montagens de capas de discos ilustradas com os nomes dos autores como se eles fossem os artistas, Sérgio Cabral analisa as marchinhas cariocas desde os tempos de Chiquinha Gonzaga com sua Ó Abre Alas, do cordão Rosas de Ouro.
Da mesma maneira, o samba é destrinchado pelo compositor e pesquisador Nei Lopes. A bossa nova é interpretada por Ruy Castro, desvendando pela enésima vez mitos acerca do gênero, como a tremenda balela de que ela teria sido criada por jovens no apartamento de Nara Leão. Um texto com tom de ironia, com trechos como: “Talvez por isso as pessoas vivam querendo saber: “Mas afinal, quando começou a bossa nova?” Ninguém pergunta isso sobre o maxixe, o xaxado ou o chachachá. Da bossa nova, no entanto, exige-se o dia e a hora exatos do seu nascimento, com certidão passada em cartório.” A canção moderna é estudada por Hugo Sukman, com direito a uma ponte entre os sentidos da palavra “arrastão”: da composição antológica de Vinicius de Moraes e Edu Lobo aos saques nas praias. E, por fim, rock, rap e funk ganham texto de Silvio Essinger, com letras de Fausto Fawcett, Marcelo D2 e MV Bill.
“Não há dúvidas de que o Rio foi a cidade mais cantada do País. Fazer um livro deste sobre São Paulo seria tão rico quanto, mas seria diferente”, diz Moutinho.
A bela cantada
“O Rio é uma das cidades mais cantadas do planeta. Talvez, perca somente para Paris. O misticismo da capital francesa também fez sucumbir compositores brasileiros, mas não sem clara ironia: – “Paris, Paris je t’aime/, mas eu gosto mais do Leme”. A rima impagável é do carioca Alberto Ribeiro e do mineiro Alcir Pires Vermelho.
Essa é uma das curiosidades de Canções do Rio (Casa da Palavra, 134 págs., R$ 37), livro coordenado pelo jornalista e escritor Marcelo Moutinho. A obra oferece cinco verdadeiras aulas de geo-política musical carioca. A leitura é tão prazerosa como ligar uma vitrola e, com um vinil caindo sobre o outro, deixar tocar o que há de melhor. Em hi-fi.
A história da moderna música brasileira começa no início do século XX. Até então, fazia-se música no Rio, mas não sobre o Rio, seus bairros, morros, favelas, praias e sua gente. Como inspiradora, a cidade encontra registros nos primórdios dos anos 1900, seguida da chamada “era de ouro”, das marchinhas, samba, bossa nova, pop, funk e rap.
Herivelto Martins, Benedito Lacerda, João de Barro, Paulo da Portela, Tom Jobim, Moacyr Luz, Paulo Cesar Pinheiro, Chico Buarque, Tim Maia, Claudinho e Buchecha e Marcelo D2 são, em diferentes tempos e gêneros, alguns dos trovadores das belezas e mazelas da cidade. Ordenados cronologicamente, os ensaios são de João Máximo, Sérgio Cabral, Nei Lopes, Ruy Castro, Hugo Suckman e Silvio Essinger.
Ao fim da leitura de cada módulo é difícil desligar a vitrola na nossa cabeça. E passamos o dia, senão vários dias, sob o domínio de canções que viraram instituições nacionais e internacionais. E descobre-se que André Filho tomou emprestado do poeta maranhense Coelho Neto a expressão “cidade maravilhosa” para compor aquela que de tanto ser a cara do Rio foi eleita seu hino oficial.
Mas, dentre tantas, que música tem a cara do Rio? Por mais referências à cidade nas obras que entraram para a história da MPB cada um pode fazer a sua listinha interminável. Como os perfumes e os sabores, a música reconstrói lugares, devolve momentos e ressuscita pessoas, principalmente se morreram – de uma forma ou de outra. Tem gente que adora dizer “fulano morreu para mim.” Pois sim. Está vivinho só que não dá a menor bola para quem anuncia o defunto.
Esses solavancos n’alma causados pela música ocorrem quase sempre à revelia. A pessoa não tem querer. Já entrou num táxi e escutou no rádio uma música que deposita o passado no presente, ali na sua frente? E sobre o asfalto quente da cidade em pleno meio-dia de um verão à 2010 começa uma dança perturbadora. Putz! Desliga isso, motorista. Ou aumenta isso, meu caro, e silêncio, por favor.
Um beijo bom de sol
O tema é a música e a cidade. Pois nenhum grupo cantou tanto o Rio como Os Cariocas chamando pelo nome a musa ou lhe rendendo honras com notas de sol e de mar. Criado em 1946, o grupo, sempre aberto às tendências musicais, foi um dos principais intérpretes da bossa nova e nos anos 60 era certeza de sucesso, gravando Tom, Baden, Carlos Lyra, Menescal e os irmãos Valle, entre outros tops da MPB.
Os Cariocas, liderados pelo talento de Severino Filho, remanescente da formação original, voltam com um novo álbum neste fevereiro mais que solar. Nossa Alma Canta, clara alusão a Samba do Avião, de Tom Jobim, traz 15 faixas clássicas, jamais gravadas pelo hoje quarteto completado por Hernane Castro, Neil Teixeira e Elói Vicente. Destaque para E nada Mais, do saudoso Durval Ferreira e Lula Freire, e Estrada do Sol, de Tom e Dolores Duran. Neste CD, Os Cariocas ainda sacramentaram as visitas de João Donato, Milton Nascimento, Eumir Deodato e Roberto Menescal. “
Carlos Leonam e Ana Maria Badaró
No Carnaval, não há cidade que fique mais em evidência no Brasil – e no mundo – do que o Rio de Janeiro. Não por acaso, a cidade é o palco de três livros lançados recentemente, cada um abordando temas que muito agradam os cariocas: o Carnaval, a música e os botequins.
Em Sambas de enredo – história e arte, lançado neste mês pela editora Civilização Brasileira, os autores Alberto Mussa e Luiz Antonio Simas destrincham o gênero que começou a se popularizar na década de 30 e se tornou um dos símbolos máximos do carnaval brasileiro por volta da década de 60.
Por meio de histórias e curiosidades, Mussa e Simas fazem uma viagem pelo gênero que já prestou homenagens a diversas personalidades brasileiras (entre elas, Santos Dumont foi o mais homenageado até hoje, ressalta Mussa) e às belezas e tradições do país. Infelizmente, após a conclusão da jornada, Mussa não vê um futuro muito otimista para o gênero, que caiu num empobrecimento temático e lírico nas últimas duas décadas:
“O samba de enredo passa uma certa crise que tem a ver com vários fatores. Os enredos têm ficado muito parecidos em função da perda de qualidade. Este sempre foi um gênero épico e ele nao tem tido mais esse cárater, deixando de representar seu assunto fundamental. O desfile de escola de samba sempre foi coisa séria, nao é lugar para a pessoa pular, sacudir, como as letras de samba ficam estimulando hoje. Outro motivo é a perda de importância do samba enredo dentro dos quesitos para julgar a escola campeã”, explica Mussa.
O escritor relembra que os temas épicos começaram quando, durante a 2ª Guerra, as escolas de samba eram obrigadas a falar sobre o Brasil. O clima de exaltação permaneceu mesmo com o fim da Guerra, e a partir daí, sambistas correram aos livros didáticos para encontrar fontes de inspiração pra seus sambas.
”Quando a Guerra acabou, as escolas de samba haviam crescido, e como nessa época não existiam os carnavalescos, o pessoal das escolas de samba ia aos livros escolares para buscar os temas, então era Castro Alves, Santos Dumont, Tiradentes. Eram esses vultos da história oficial do Brasil.”
No final da década de 50, surgiram enredos mais emocionais que se relacionavam menos com a história oficial e se aproximavam dos movimentos populares. Temas que exaltavam o negro e o folclore brasileiro, manifestações populares de todo o Berasil ganharam espaço. É a época onde o samba épico atinge seu auge. É a partir da década de 90 que Mussa identifica o esgotamento e o empobrecimento do gênero que desembocaram no cenário pouco animador de hoje em dia:
“Os carnavalescos começaram a buscar enredos abstratos, sobre microcosmos, energia, sol, mar. Só que isso não está rendendo bons frutos, porque o samba enredo foi estruturado para a temática épica”, afirma Mussa, que faz um apelo por uma mudança na forma como o samba enredo é produzido e julgado hoje em dia, sob risco de o gênero cair em ostracismo.
Em um tom mais animador, outro autor que lança um olhar sobre a música é Marcelo Moutinho, organizador do livro Canções do Rio – a cidade em letra e música, publicado também neste mês pela editora Casa da Palavra. O livro faz um retrospecto de como o Rio de Janeiro foi fonte de inspiração para compositores brasileiros de diferentes gêneros e épocas, do final do século XIX até os dias atuais.
Para montar esse mosaico, Marcelo Moutinho contou com especialistas na área, que escreveram artigos sobre cada gênero. João Máximo escreveu sobre as primeiras manifestações musicais envolvendo o Rio, ainda no fim do século XIX, até a Era de Ouro do Rádio. Sérgio Cabral cuidou das marchinhas, Nei Lopes do Samba, Ruy Castro da Bossa Nova, Hugo Sukman da Canção Moderna e Silvio Essinger do rock, rap e funk. Pelos cinco cinco capítulos, é possível ir além do Rio ”cidade maravilhosa”, eternizado nas marchinhas de Carnaval e do Rio ”garota de Ipanema” cantado pelos mestres da Bossa Nova e repetido à exaustão até hoje:
”O cronista Marques Rebello tinha uma frase que dizia que o Rio de Janeiro é uma cidade com muitas cidades dentro, porque cada bairro tem uma personalidade muito própria e eu acredito que isso fica muito claro na música”, afirma Marcelo Moutinho.
Foi dentro destes vários ”Rios de Janeiro” que os compositores brasileiros acharam inspiração para criar um vasto repertório que perpassa diferentes gêneros e olhares.
Mais do que as praias, belas moçoilas e paisagens deslumbrantes, o Rio dos compositores brasileiros é uma cidade permeada por conflitos e paradoxos que unem esses olhares que podem parecer tão distantes. Pois se hoje dizem que o funk é a voz da periferia carioca, o mesmo já poderia se dizer das marchinhas, no início do século XX:
“Na própria marchinha, que é pré-Bossa Nova, você tinha muito essa crônica crítica da cidade. Algumas falando ‘de dia falta água, de noite falta luz’, mas tratando o problema de forma jocosa. No encontro da MPB com o samba, que acontece no Zicartola, quando Zé Keti se aproxima da Nara, já havia um discurso muito crítico, mas que não era totalmente protagonizado por pessoas advindas dessas regiões mais pobres. Isso acontece com a popularização do funk”, afirma Moutinho.
Independentemente do tom de exaltação, sátirico ou de prosa dado pelos compositores, a história do Rio cantado acaba sendo pretexto para o leitor passear pelos principais gêneros musicais popularizados no Brasil contemporâneo.
Luisa Brasil Portal
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