Jantar a dois


Era noite de terça-feira e havia poucas mesas ocupadas. Fazia frio para os padrões cariocas. Ele usava blazer azul marinho, calça social bege, a camisa branca para dentro, bem presa pelo cinto. Ela trazia um vestido grená, de veludo. Estava maquiada, excessivamente maquiada.

Após cruzar pela porta de entrada, circularam por toda a área do restaurante. Hesitavam entre os tantos lugares disponíveis. Acabaram por optar por uma mesa colada à parede, no último corredor sob a perspectiva de quem chega. Talvez quisessem discrição.

“Boa noite”.

“Boa noite”, ele respondeu ao maître de sotaque afrancesado. Ela nada falou.

Com o cardápio à mão, óculos dispostos especialmente para a leitura, ele sugeriu.

“Quer o filé ao poivre? Você gosta de carne apimentada”.

“Vou olhar ainda”, ela disse, e depositou a bolsa sobre a mesa. Procurava algo, que logo se revelaria. O celular.

“O filé vem com batata gratinada. Você gosta”.

Ela meneou levemente a cabeça, sem desgrudar os olhos do telefone.

“Ou uma coisa mais leve. Tem linguado com molho de uvas. Vem com legumes”.

“Gostariam do couvert da casa?”, O mâitre, de volta.

“Não, obrigado”, ele disse. “Se a gente comer o couvert, depois vai deixar metade do prato”.

Agora falava com ela, que trocara o celular pelo canudo do suco. Mexia o canudo, em movimentos circulares, misturando o sumo viscoso à parte mais líquida, que haviam se apartado dentro do copo.

“E então? Decidiram? Eu sugeriria o carré de cordeiro. Tem feito muito sucesso”.

“Pode trazer mais uma taça de vinho, por favor? Quando vier, a gente pede”, ele prometeu.

O maître se afastou em direção ao bar.

“Vou querer o cordeiro”, ela murmurou.

“Mas você não gosta de cordeiro”.

“Como você sabe que eu não gosto?”

“Nunca, nesses vinte e oito anos, eu vi você comendo cordeiro”.

“Sua taça de vinho, senhor. Posso anotar os pedidos?”

“Claro. Ela vai querer o cordeiro. Pra mim, você pode trazer o filé com molho de mostarda e batatas coradas”.

“Ótimas escolhas. Qual o ponto da carne?”

“Ao ponto para mal”.

“Perfeito”, e o maître recolheu os cardápios.

Terminado o suco, ela se pôs a brincar com o guardanapo. Dobrava em duas partes, depois em quatro, em oito, até que o pano se transformasse num cubo branco de pontas arredondadas. Depois desfazia as dobras, e recomeçava o trabalho.

Ele, com a vista fincada na toalha da mesa, manuseava os talheres. Verificou, com a ponta do dedo, se o serrilhado da faca era adequado ao corte da carne. Em seguida pegou os óculos. Limpou-os com a barra da camisa, que escarara do cinto. Esticando os braços, ergueu a armação no sentido da luminária que ficava presa à parede, a fim de checar a transparência das lentes. Guardou, enfim, no estojo. Ela continuava ocupada com a dobradura dos guardanapos.

“Já são quase onze horas”, ele comentou.

“É”.

“Tomara que os pratos não demorem”.

“É”.

Não demoraram.

“Mais um suco, senhora?”

Ela assentiu com um gesto.

“E uma água sem gás”, ele pediu.

Enquanto comiam, revezaram a atenção entre o cordeiro, o filé e o ambiente do restaurante. Observavam os outros clientes, seus pratos. Por duas ou três vezes os olhares se encontraram, sem no entanto se deter.

“Apreciaram a comida?”. O maître, novamente.

“Estava ótima”, ela disse. Ele concordou, sem pronunciar palavra.

“Permitem que eu traga a carta de sobremesa?”

“Agradeço, mas não precisa, nós dois estamos com o açúcar alto. E eu já tomei vinho. Vamos querer só um café”.

“Um?”

“Dois. E a conta”.

Ela sacou mais uma vez a bolsa. Abriu, tirou a carteira.

“Nem pensar. Hoje eu pago. É dia de comemoração”.

“É”, ela arriscou um sorriso que não chegava a expor os dentes.

“Aqui, senhor. Precisa da máquina do cartão?”

“Vai ser em cheque”.

Ele preencheu sem que ela visse o valor. Chamou o maître num aceno com a mão direita, entregou o cheque.

“Feliz aniversário, querida”.

“Obrigada, querido”.

“Vamos?”.

“Vamos”.

E se foram.


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