Fred


O primeiro jogo a que assisti, ao vivo, foi um Fla x Flu. Corria o Campeonato Carioca de 1980 e o pai alvinegro, após muita insistência, topou me levar ao Maracanã. O clássico terminou empatado em 1×1, gols de Claudio Adão para o tricolor e de Nunes para o rubro-negro.

Pelo menos era o que eu lembrava. Hoje, checando os resultados do torneio, vi que na partida de fato não houve vencedor. Mas o placar final foi 2 x 2, e Nunes não marcou sequer um tento. A memória é uma ilha de edição, já dizia o Wally.

Naquele 1980, o Flu se sagraria campeão. Talvez pela tenra idade – tinha apenas oito primaveras –, não me recordo, contudo, dos detalhes. Nem do jogo, nem da festa do título.

Voltaria ao estádio somente quatro anos depois, para testar a fama de pé quente. Deu certo. Com um time formado por craques como Paulo Vítor, Ricardo Gomes e Delei, o Fluminense conquistou o título estadual. E foi ali, sentado nas arquibancadas do velho Maracanã, que encontrei meu primeiro ídolo.

Assis fora contratado junto ao Atlético-PR em 1983. Chegou ao Flu ao lado do parceiro Washington, com quem formava o Casal 20, na expressão emprestada de uma famosa série de TV da época. Humilde, discreto, sobretudo eficaz, era um camisa 10 à antiga. Sua estrela nos jogos contra o Flamengo fez com que ganhasse a fama de carrasco do rubro-negro. E uma música, inspirada em samba da Portela, que a torcida cantava em todo Fla x Flu: “Recordar é viver / Assis acabou com você”.

A relação com os ídolos, no futebol, passa mesmo muitas vezes pelas vitórias. Mas não só. Nasce, também, da formidável identificação que o jogador constrói entre ele e a camisa do clube – e que reverbera, silenciosa, na arquibancada. Como aconteceu com Assis.

Já há alguns anos, com o esporte cada vez mais dominado pela grana, esse amálgama tornou-se raro. Os jogadores trocam muito de clube, não há tempo para que uma conexão mais forte se estabeleça. Em muitos casos, tampouco interesse. Por isso tendemos, como observou meu amigo Aydano André Motta, a cultuar aqueles a quem nem sequer vimos em campo. Uma saudade do que não vivemos e queríamos ter vivido.

Na quarta-feira passada, o Fluminense enfrentou o Palmeiras pelas semifinais da Copa do Brasil. Entre os 11 atletas escalados no tricolor, estava Frederico Chaves Guedes. Ou, simplesmente, Fred.

Uma semana antes, ele havia torcido o joelho e o tornozelo. Saíra de campo na maca, mal conseguia ficar de pé. Nos dias seguintes, dedicou-se de modo integral ao tratamento, para que pudesse atuar no segundo jogo. Conseguiu, embora em condições claramente precárias.

Não foram poucas as vezes em que ele suscitou desconfianças na torcida, assim como não foram poucos os jogos em que decidiu, com sua categoria, a qualidade técnica, o faro de artilheiro. Ajudou o Flu a somar dois campeonatos brasileiros e mais um estadual ao rol de conquistas. Brigou, falou bobagem, foi expulso. Mas nunca fugiu da raia.

Ao retornar ao time, após servir estupidamente de bode expiatório do fracasso da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, ouviu a torcida dizer: o Fluminense é a sua casa. E confiou nisso.

No episódio da saída da Unimed, quando se temia um desmonte e tantos outros jogadores correram, lépidos, para esvaziar seus armários, avisou que ficava. Já parecia ter, naquele momento, a perspectiva de seu lugar na história do Flu. Diante da atraente maçã dos milhares de dólares que as arábias da vida sempre podem oferecer, muito acima de qualquer clube brasileiro, escolheu continuar escrevendo essa história.

A imagem de Fred no jogo de quarta, tentando correr à revelia da dor, chegando às lágrimas ao ver o sacrifício transformado em gol, sedimenta a condição de ídolo. Mais de uma geração de tricolores teve o orgulho de ver Castilho, aquele que amputou o dedo para voltar logo ao time, jogando pelo Fluminense. Eu tenho o orgulho de ver Fred. Aqui e agora.


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